Quando falamos em religiões de matriz africana, muita gente pensa apenas em Umbanda ou Candomblé. Mas a verdade é que esse universo é muito mais amplo, cheio de histórias, rituais, raízes profundas e sabedorias milenares que sobreviveram à dor da escravidão, ao preconceito e continuam vivas, fortes e respeitadas por milhões de brasileiros.

As religiões afro-brasileiras nasceram da mistura de culturas africanas trazidas pelos povos escravizados e foram se moldando ao longo do tempo, resistindo e se transformando. Elas não só têm um papel importante na fé de quem segue, mas também carregam valores ancestrais, tradições de cura, conexão com a natureza e com os orixás, inquices, voduns e encantados.
Neste artigo completo, você vai entender quais são as religiões de matriz africana mais conhecidas no Brasil, como funcionam suas práticas, suas semelhanças e diferenças e o impacto social e cultural que elas têm até hoje.
O que são religiões de matriz africana?
Religiões de matriz africana são aquelas que surgiram a partir das práticas espirituais, crenças e tradições dos povos africanos trazidos ao Brasil como escravizados, principalmente oriundos de regiões como Nigéria, Angola, Congo, Benim e Togo.
Essas religiões têm como base:
- O culto a divindades africanas (como os orixás, voduns e inquices)
- A ancestralidade como fonte de sabedoria
- Rituais com dança, canto, comida e elementos da natureza
- A comunicação com o mundo espiritual por meio de incorporações e oferendas
Essas práticas foram preservadas mesmo sob opressão, muitas vezes sincretizadas com o catolicismo, por conta da repressão religiosa durante o período colonial.
Principais religiões de matriz africana no Brasil
Candomblé
O Candomblé é uma das religiões afro-brasileiras mais conhecidas e respeitadas. Originado a partir das nações africanas como Ketu (iorubá), Bantu e Jeje (fom e ewe), ele cultua os orixás, inquices e voduns.
Características marcantes do Candomblé:
- Cada orixá tem um dia, uma comida, um tambor e um ritmo específico
- Os rituais são feitos nos terreiros, locais sagrados de culto
- A iniciação dos filhos e filhas de santo é um processo profundo e respeitoso
- Há oferendas, danças, rezas e toques de atabaques nos rituais
É uma religião voltada ao equilíbrio, à natureza e à espiritualidade ancestral.
Umbanda
A Umbanda nasceu no Brasil, no início do século XX, misturando elementos de:
- Religiões africanas
- Catolicismo
- Espiritismo kardecista
- Cultos indígenas
Na Umbanda, as entidades espirituais são os guias que ajudam os fiéis através de mensagens, conselhos e passes. Os principais guias são:
- Pretos-velhos
- Caboclos
- Pombagiras
- Exus
- Crianças (Erês)
É uma religião mais aberta ao público, com cultos regulares, sem obrigatoriedade de iniciação. A Umbanda tem uma linguagem simbólica que une fé, caridade e respeito à diversidade.
Batuque
Menos conhecida fora do sul do país, o Batuque é praticado principalmente no Rio Grande do Sul e cultua os orixás da nação jeje-nagô.
Algumas características:
- Orixás como Iemanjá, Xangô, Ogum são reverenciados
- Os rituais envolvem tambores, danças e sacrifício de animais
- Possui uma forte conexão com as raízes africanas
É uma religião muito organizada, com hierarquia e iniciações complexas, e segue uma tradição oral de transmissão dos saberes.
Xambá
A religião Xambá é de origem nagô e angola e é praticada sobretudo em Pernambuco. Teve um papel fundamental na preservação da cultura afro-brasileira, sendo símbolo de resistência negra.
Ela foi alvo de repressão na década de 30, mas segue viva até hoje com uma única casa tradicional ativa, reconhecida como patrimônio cultural.
Tambor de Mina
Praticado principalmente no Maranhão, o Tambor de Mina é uma religião afro-indígena com fortes influências do povo jeje (do antigo Reino do Daomé).
Características:
- Cultua os voduns, como Nanã, Dan, Hevioso
- Há presença de entidades chamadas caboclos e encantados
- Os rituais envolvem toques de tambor, transe, dança e cantigas em fon
É uma manifestação que une tradição africana e espiritualidade local, com papel importante na cultura maranhense.
Terecô
Praticado também no Maranhão, o Terecô mistura o Tambor de Mina com influências banto e indígenas. Tem como foco o culto aos encantados e usa tambores, danças e elementos da natureza.
É uma religião com forte ligação com o povo mais pobre e marginalizado, sendo ainda alvo de preconceito e intolerância religiosa.
Diferenças entre as religiões afro-brasileiras
Embora todas tenham origens africanas, cada uma tem sua identidade. Veja algumas diferenças principais:
| Religião | Divindades cultuadas | Influência Principal | Presença Católica | Incorporação |
| Candomblé | Orixás, inquices, voduns | Tradição africana pura | Pouca ou nenhuma | Sim |
| Umbanda | Guias espirituais | Mistura afro, espírita e indígena | Alta | Sim |
| Tambor de Mina | Voduns, encantados | Tradição jeje | Média | Sim |
| Batuque | Orixás | Jeje-nagô | Baixa | Sim |
| Terecô | Encantados, caboclos | Afro-indígena | Média | Sim |
A importância da ancestralidade
Um ponto comum em todas as religiões de matriz africana é o culto aos ancestrais. Acredita-se que os mortos seguem vivos, orientando, protegendo e interagindo com o mundo dos vivos.
Essa ligação é feita com respeito profundo à história familiar, aos mais velhos, aos guias espirituais e aos que vieram antes. É uma forma de manter viva a cultura africana, mesmo em meio à diáspora forçada.
Por que ainda existe preconceito?
Mesmo sendo parte da cultura brasileira há séculos, as religiões afro-brasileiras ainda sofrem intolerância religiosa, racismo e desinformação.
Alguns motivos:
- Ignorância sobre o que realmente se pratica nos terreiros
- Fake news que associam essas religiões a “magia negra”
- Preconceito racial, já que são práticas associadas ao povo negro
- Religiões hegemônicas que demonizam práticas diferentes das suas
É comum ver casos de terreiros sendo incendiados, mães e pais de santo sendo agredidos ou discriminados. Isso é crime, e precisa ser denunciado.
A força dos terreiros e dos filhos de santo
Apesar de tudo, os terreiros seguem firmes. São espaços de acolhimento, cura, solidariedade e resistência. Muitos realizam:
- Distribuição de alimentos
- Ações sociais
- Ajuda espiritual e emocional
- Educação sobre a cultura afro-brasileira
Ser um filho ou filha de santo é uma jornada de aprendizado e dedicação. É também uma forma de reconectar-se com as raízes africanas e lutar contra o apagamento histórico.
Como respeitar e valorizar as religiões afro
Se você não faz parte de uma religião de matriz africana, mas quer entender melhor e apoiar, seguem algumas atitudes simples:
- Evite julgamentos
- Estude com fontes confiáveis
- Não repita falas racistas ou preconceituosas
- Apoie artistas e escritores afro-religiosos
- Visite um terreiro com respeito e permissão
- Denuncie intolerância religiosa
A liberdade de crença é um direito garantido pela Constituição. Respeitar o outro é o primeiro passo para uma sociedade mais justa.
As religiões de matriz africana não são apenas expressões de fé. São também heranças culturais, históricas e afetivas que resistem ao apagamento. Elas formam uma parte essencial da identidade do Brasil.
Entender, respeitar e valorizar essas religiões é uma maneira de reconhecer o legado dos povos africanos e ajudar a construir um futuro mais diverso, livre e espiritualizado.
Meta descrição:
